O grupo parlamentar da UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista em Angola, vai exigir (isto é como quem diz) a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para analisar o “desaparecimento” de 400 milhões de kwanzas (586 mil euros) do Banco de Poupança e Crédito (BPC).
“N este momento o país está a viver um problema sério, desapareceram mais de 400 milhões de kwanzas no BPC e vamos exigir da Assembleia Nacional a constituição de uma comissão de inquérito. Seria incoerência da nossa parte, não confiando no Governo, confiarmos a gestão dos poucos recursos que nós arrecadamos à mesma comissão”, disse hoje, em conferência de imprensa, o presidente do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiaka.
Segundo o líder parlamentar, a UNITA é contra a estratégia do Governo de recapitalizar o BPC, e propõe que seja, primeiro, feita uma auditoria, uma Comissão Parlamentar de Inquérito, para, só depois de apuradas as falhas de todo o sistema de controlo interno do BPC, no qual se inclui também o Banco Nacional de Angola e o Ministério das Finanças, se defina “em que medida o Governo pode intervir no BPC”.
“Senão, estaremos a colocar dinheiro num saco roto, não é solução”, afirmou, acrescentando que para a UNITA a solução seria “investir nas empresas”.
“Se o Governo destinasse o valor que quer colocar no BPC às empresas para salvaguardar empregos e por via disso a produtividade e a produção, o país estaria mais bem salvaguardado”, frisou.
Na mesma conferência de imprensa, a UNITA anunciou a arrecadação de 14 milhões de kwanzas (20.800 euros), fruto de contribuição de 50% do salário dos deputados, para o combate à Covid-19.
Questionado se o montante arrecadado será entregue à comissão interministerial de combate e prevenção da Covid-19, Liberty Chiaka rejeitou, afirmando que o dinheiro será doado a algumas unidades hospitalares e centros médicos e de acolhimento em todo o país.
A UNITA gosta de pensar, sobretudo quando os seus dirigentes estão com a barriga cheia, que Angola é uma democracia e um Estado de Direito. Mas não é. Quando, noutros tempos, os dirigentes da UNITA viam na mandioca um excelente alimento, conseguiam mostrar que tinham o cérebro no sítio certo, a cabeça. Logo que o MPLA os pôs a comer lagosta, o cérebro zarpou para o local onde o Governo quer que ele esteja, o intestino.
Todos nos recordamos que a UNITA, entre outras falácias, também propunha aos restantes grupos parlamentares a subscrição de um documento a remeter ao Tribunal Constitucional, com vista a que em Angola passe a existir aquilo que é banal, que é elementar, em qualquer Estado de Direito: transparência, fim da impunidade e uma acção fiscalizadora da Assembleia Nacional à actividade do Governo.
O então líder parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, pretendia saber quem se posicionava contra direitos constitucionais e restrições à acção das instituições com um pedido de apreciação do acórdão que proíbe a Assembleia Nacional de fiscalizar os actos do Executivo.
A UNITA esquece-se que, de facto, em Angola o regime não é de partido único mas continua a ser de um único partido, o MPLA, tal como acontece desde 1975. Por isso não adianta pensar-se em regras democráticas. Não adianta querer alimentar o jacaré com tofu ou seitan. Ele gosta mesmo é de carne.
Adalberto da Costa Júnior disse que a sua bancada parlamentar iria propor a cada deputado dos grupos parlamentares do MPLA, CASA-CE, PRS e FNLA a subscrição do documento a remeter ao Tribunal Constitucional. Digamos que, em tese, a estratégia era boa. No entanto, como estamos em Angola, é como tentar pescar bagres com um anzol de plasticina.
“Com este acto vamos verificar quem é que de facto abraça a transparência, a luta contra impunidade, a acção fiscalizadora da Assembleia Nacional e quem, ao contrário, se posiciona contra direitos constitucionais e restrições à acção das instituições”, referiu Adalberto da Costa Júnior.
Em causa estava o acórdão 319 do Tribunal Constitucional, de 9 de Outubro de 2013, que declarou inconstitucionais quatro artigos do Regimento da Assembleia Nacional, em vigor na altura, proibindo a Assembleia Nacional de fiscalizar os actos de governação do executivo.
Segundo Adalberto da Costa Júnior, no mesmo ano do referido acórdão, 22 deputados do grupo parlamentar do MPLA escreveram ao Tribunal Constitucional, requerendo a verificação da constitucionalidade de um conjunto de artigos da Lei Orgânica que Aprova o Regimento da Assembleia Nacional, tendo decidido favoravelmente à petição.
O dirigente da UNITA lembrou que, desde aquela altura, a Assembleia Nacional passou a impedir a realização de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), bem como de iniciativas parlamentares de fiscalização à governação, “sob o pretexto de que careceriam de prévia autorização do titular do poder executivo, o Presidente da República”.
O deputado referiu que, com esta situação, a UNITA viu sem resposta ou impedidos requerimentos dirigidos à Assembleia Nacional para a abertura de CPI ao Banco Espírito Santo Angola (BESA), à Sonangol, ao Fundo Soberano de Angola e à Dívida Pública.
Para o grupo parlamentar da UNITA, a fundamentação para estas comissões “continuam muito actuais e na ordem do dia”, tendo em conta o processo de repatriamento de capitais, a acção da Procuradoria-Geral da República e do Tribunal de Contas.
Adalberto da Costa Júnior garantia que continuam a ser matérias “relevantes e de interesse nacional, envolvendo actores políticos e actores institucionais actuais, cujos actos continuam por clarificar e com graves consequências sobre a situação de crise acentuada que o país vive”.
E assim vai a democracia de um único partido
O MPLA, cumprindo obviamente “ordens superiores”, rejeitou – por exemplo – o pedido da UNITA para a constituição de uma CPI para apurar a real dívida pública angolana e os seus beneficiários.
“O Parlamento nem tomou conhecimento porque não foi sequer distribuído às comissões [de especialidade] ou aos grupos parlamentares. Mesmo em caso de indeferimento posterior, ele [requerimento] é antes distribuído, ou então como é que vai ser avaliado? Não fizeram isso, é um procedimento em violação ao regimento. Entendo porquê, porque isto está a embaraçar”, criticou o anterior líder parlamentar da UNITA.
A UNITA, recorde-se, submeteu no dia 2 de Março de 2018, à Assembleia Nacional, um requerimento para a constituição de uma CPI para apurar a real dívida pública bruta angolana e os seus beneficiários, além do real impacto sobre o desenvolvimento económico e social de Angola entre os anos 2003 e 2017.
O pedido de constituição desta CPI surgiu depois de o peso da dívida pública contraída pelo Estado do MPLA (excepto empresas públicas) ter atingido, no final de 2017, segundo o Ministério das Finanças, o equivalente a 67% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Hoje passou os 100%…
Contudo, a pretensão da UNITA foi recusada pela direcção do Parlamento do MPLA, presidido por Fernando da Piedade Dias dos Santos (MPLA), entre outros motivos por falta de fundamentação.
“A nossa fundamentação é imensa, por isso não colhe, e na argumentação [do indeferimento] até vão ao ponto de dizer que o ministro [das Finanças] foi aplaudido no Parlamento, como argumento de uma resposta jurídica”, criticou Adalberto da Costa Júnior.
“Isto são, sem dúvida, assuntos de interesse nacional. Só que é esta problemática de que se discute, discute, mas é para inglês ver. Esta é a mais grave de todas, porque não fizeram ainda nenhuma resposta à anterior CPI, sobre o Fundo Soberano, em que o valor envolvido é elevadíssimo, mas são 5,7 mil milhões de dólares. A dívida pública ultrapassa os 45 mil milhões de dólares, é muito mais grave e houve uma rapidez a tentar lavar as mãos”, afirmou ainda Adalberto da Costa Júnior.
Com mais um pedido de constituição de uma CPI travado, o Galo Negro encheu o peito cacarejou: “Vamos dar um tratamento adequado a esta situação. Quem gere hoje a Assembleia Nacional não se limita ao cumprimento da lei”.
Pois é. Quem gere a dita Assembleia Nacional é hoje João Lourenço, Presidente da República e Titular do Poder Executivo, tal como ontem era José Eduardo dos Santos. E, de facto, não adianta ter leis mais ou menos democráticas se o que conta é a vontade ditatorial do MPLA. Não adianta haver partidos se o funcionamento do país segue as regras do tempo do partido único, ou seja, “queremos, podemos e mandamos”.
Folha 8 com Lusa